Este diário pertence a

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Inútil ano novo!

Calor que não se mede nessa última sexta-feira do ano.
O ventilador tenta bravamente espalhar o mormaço que se forma na minha nuca, que escorre pelas minhas costas, que convida os pernilongos pra dentro, que me impede de dormir e me tira, igualmente, a vontade de acordar.
Olhando pro teto, sozinha no quarto, me lembro desse ano que está às vésperas de terminar.
Muitos contando os minutos.
Muitos dizendo de seus horrores.
Pra mim, ele não foi tão mal assim.
Não ignoro as tristezas do mundo e nem as dores que me visitaram nesses 363 dias e algumas horas, mas tirei deles uma grande e real lição: a de como quero permanecer inútil!
Há tempos assisti um vídeo do Padre Fábio de Melo em que ele falava da inutilidade do amor. Pedia a Deus que ele pudesse ter a seu lado pessoas que o quisessem por perto quando ele fosse absolutamente inútil e nada de produtivo lhe restasse mais. Ali se revelariam os que realmente lhe amavam, os que realmente lhe queriam bem.
Eu não atingi esse estágio de inutilidade, mas já fui bem mais útil do que me apresentei este ano.
Sempre optei pela via contrária: por não conseguir cativar (ou não me ver como capaz disso) me fazia extremamente útil, necessária, indispensável.
Antes que o outro pensasse, cá estava eu com a solução.
Antes que me perguntassem, cá estava eu com a resposta.
Limites? Desconhecia.
Vontades próprias?  Não merecia.
E assim me fiz nesses 20 e muitos anos servil, necessária, prestativa, utilitária.
Assim me fiz nesses 20 e muitos anos: absolutamente substituível.
As coisas se prestam a um fim.
As coisas se trocam.
As coisas não questionam e não tem limites ao que fazem dela.
As coisas estão ali, lhe servem e isso basta.
E assim eu me fiz nesses 20 e muitos anos: coisa, útil, simples assim.
No passar deste ano, tive de viver um de meus maiores temores: não pude mais ser tão útil. Nada ou quase nada tinha a oferecer.
Tempo? Quase não tive: as horas de trabalho multiplicaram... o deslocamento ao trabalho aumentou também...
Dinheiro? Quase não tive: as prestações me sufocaram... o aumento prometido, não veio também...
Bom humor? Quase não tive: as preocupações me inundaram... as ansiedades e problemas me acompanharam também...
Ver-se inútil não é fácil... é triste... pesa... dói.
Ver-se inútil é necessário... liberta... seleciona... constrói.
Muitos que me procuravam, não me procuraram mais...
Muitos a quem dei a resposta mesmo antes da pergunta surgir, foram incapazes de ver as dúvidas que eu exalava em minhas reclamações, meus desabafos, meus sofrimentos solitários....
Muitos que eu não esperava, me estenderam os braços e conseguiram entender na distância aparente, os problemas evidentes e, mesmo em silêncio, me ofertaram uma prece, uma ajuda, um tempo, um telefonema, um ouvido.
É isso o que desejo nesse novo ano: Inutilidade.
Àqueles que respondi negativamente nos pedidos de ajuda e que não se lembraram de mim em seus momentos de celebração: que tenham um ano de 2017 tão inútil como o meu!  Isso não é vingança, não pense assim. Quero que você também tenha a chance de me ver além de minha utilidade aparente e que em algum local  resida a saudade do que eu sou e possamos nos reencontrar para celebrar a essência de sermos o que somos e isso bastar.
Àqueles que eu não mais procurei por serem inúteis a mim: que tenham um ano de 2017 mais inútil ainda! Me perdoem a pequenez do sentimento e é com vergonha e pesar que constato a fungibilidade que fiz de vocês, pessoas que são. Não os procurarei mais enquanto forem úteis a mim, espero que a minha inutilidade me revele a essência do que eu não enxerguei em vocês também.
Àqueles que se lembraram e permaneceram comigo: que possamos permanecer inúteis em 2017! Desejo a nós muitas horas de conversas absolutamente infrutíferas, risadas infinitas com lágrimas desperdiçadas gratuitamente, desabafos sinceros e acolhedores por horas e horas entre abraços improdutivos e consolos amorosamente improfícuos.
Um inútil ano novo a todos!