“You've
got to learn to hide your sorrow and go on living as before
But
good is thinking of tomorrow
Who
knows what it may have been stored?
You've
got to learn to be much stronger the times your head must rule your heart
You've
got to learn from hard experience and lead some to advice
And
sometimes bear the price and learn to live with a broken hear”[1]Nina
Simone
Tem uma mulher deitada na
calçada.
Tem uma mulher deitada, morta na
calçada.
Tem uma mulher, mãe, irmã, tia, filha,
amiga, servidora, deitada, morta na calçada.
Os homens passaram de moto e
deixaram a mulher ali: morta, deitada da na calçada.
Os homens deixaram a mulher ali
na calçada, mas e o destino que eles criaram, quem vai levar? Os filhos que
viraram órfãos, a irmã que perdeu a companheira, a mãe que perdeu o sentido, a
amiga que não tem para quem ligar, esses destinos, quem vai levar?
O que eu digo aos meninos que
esperam a mãe de volta? O que eu digo a eles? E eu digo de quem suspeitam? E se
eu não disser, será que diminui a dor? Será que muda a realidade da dor? Será
que eles não vão unir os telefonemas agressivos, o choro sufocado da mãe, a
mudança repentina para casa da avó, como a trilha que leva ao culpado? O que
eles vão contar na escola aos colegas? O que vão contar aos filhos deles sobre
a história da avó que eles não poderão conhecer?
O que eu digo à irmã que a
recebeu em casa? O que eu digo a ela? Ela sabia do que acontecia e recebeu a
mulher em casa, abriu as portas e a vida para que ela tivesse abrigo à violência
que deveria estar porta a fora, mas isso não adiantou, e agora? A quem ela deve
recorrer? À lei que leva por nome uma mulher mártir deficiente pela deficiência
do Estado que acha que pode resolver tudo? Um Estado que só olhou para a mártir
e agora só olha para a mulher da calçada por que o sangue e a revolta se
tornaram visíveis? A quem ela deve procurar? A quem recorrer? Quem vai
consolar?
O que eu digo à sua mãe que já
passou por uma vida de abusos, como todas passaram, e agora tem que encarar a
realidade do que é tapado com peneira na figura da filha deitada na calçada? Eu
digo que os tempos mudaram? Que progredimos? Que machismo “dá cadeia”? Que a
mulher tem mais direitos? Que tem o dia dela? Você teria coragem de dizer isso
diante da evidente ineficiência de qualquer prédica, já que a prática cotidiana
ainda é assassinar quem não quer seguir mais como você dita? Que “ta certo”
dizer que aquela que chora é criança, é infantil, é louca? Que a outra anda com
roupa curta é puta, não tem postura de mulher e está pedindo? Diante da rotina
que cega os homens dos serviços domésticos por que foram criados assim e tudo
bem, isso não é nada, “amanhã é minha vez, querida”? Mas quando vai chegar o
amanhã com sua vez de ser julgado, com a sua vez de ser abusado, com a sua vez
de ser assassinado?
A
mulher está lá na calçada. Ela era mãe, era irmã, era tia, era amiga, mas ela agora
é estatística. A estatística se perde no tempo, no esquecimento, nos números,
nos prazos, nas prescrições, nas “data vênias”, nos processos, nos “excelentíssimos”,
“meretíssimos”, nos carimbos, na frieza do mundo.
Mas
nada disso apaga a dor.
Nada
disso consola.
Nada
disso socorre.
Nada
disso resolve.
A
mulher ainda está na calçada.
Nada
que eu escreva ou diga vai mudar isso, vai diminuir em uma lágrima essa dor.
Mas
eu quero que ela saiba que ela não está sozinha na calçada: estamos todas nós.
Silenciaram
a mulher, mas a mim ainda não silenciaram e enquanto assim for eu digo, eu
choro, eu grito e enlouqueço: NÃO PASSARÃO!
[1]
Você tem de aprender a esconder sua
tristeza e continuar vivendo como antes/Mas é bom pensar no amanhã/Quem sabe o
que pode ter sido guardado?/Você tem de aprender a ser muito mais forte nos
tempos em que sua cabeça deve governar o seu coração/Você tem de aprender com
as experiências difíceis e levar algumas para conselhos/E às vezes suportar o
preço e aprender a viver com o coração partido