Febre
Me
diagnosticaram, é “pleumonia”! Aguda! Grave mesmo, me corroendo por dentro...
Pediram “raoxis” e tudo...
Mas quando
estava no consultório, vi que o “Dotô” também não estava bem. Ele tava com os
olhos casados, me olhava com pesar, não por mim, mas pela vida dele mesmo...
Ele não tava com muita paciência... Eu com minha “Pleumonia” e ele com intolerância.
Depois que
saí de lá, me vi estampado em jornais, em páginas, em fotos, com pessoas que
não me conhecem e nem conhecem o “dotô”. Eu vi que xingavam o “dotô”, xingavam
muito, xingavam feio! Vi que eles também estavam todos doentes, eu com minha
pleumonia, o dotô com intolerância e meus defensores com a ignorância deles.
Eu vi que
tinha uma moça que me defendeu de um jeito educado. Sem me chamar de burro e
nem chamar o “dotô” de desgraçado, sem ameaça, mas de um jeito leve. Mas vieram
os defensores do “dotô”. Disseram que ela era macaca que fingia de branca por
pintar o cabelo de loiro e que oprimia os pacientes por usar “estetoscrópio”
vermelho. Eu vi nos olhos deles que eles estavam doentes. Tinham os mesmos
sintomas do dotô e dos meus defensores. Nossa senhora! Isso passa rápido hein?
Tenho que me vacinar!
Doentes que
se atracam, se batem, se machucam. Eles não querem se ouvir, só querem falar,
gritar, agredir, se impor, calar... Acho que o caso é grave... agudo... não tem
“raoxis” que resolva.
No fim das
contas, minha “pleumonia” é o mais leve nisso tudo. Eu só sinto uma febre que
acaba com novalgina e a tosse passa com chá, mas essa ignorância e essa
intolerância não passam.
Elas corroem
a gente por dentro onde nenhum “raoxis” consegue ver. Não gera tosse, nem febre
que termômetro consiga perceber. Mas queima, por dentro, por fora, por todo
lado. Ela expulsa pra fora da gente o lixo que a gente carrega dentro. Ela faz
gente virar bicho. Faz eu deixar de ver o outro como alguém além do ponto de
divergência entre a gente. Eu enxergo o que discordo e pronto.
É grave essa
doença porque não tem remédio nenhum que dê jeito na gente, nada que se possa
tomar de fora pra acalmar esse fogo que queima por dentro... O remédio é de
dentro também, mas ninguém quer tomar, por que ninguém quer ceder, tem que
ganhar... ganhar o quê eu não sei, por que no fim das contas sai todo mundo
perdendo. Perde amigo, perde emprego, perde espaço e depois pede pra fazer
retratação, pra remendar o que disse, pra dizer que não era bem assim, que
falou sem pensar, que colocaram mais peso, que era só uma piada, que não
linchou ninguém, que é só internet, que tem direito de se expressar, que o
mundo tá muito chato, que tem muito mimimi....
No fim das
contas, eu, a minha “pleumonia”, a intolerância do “dotô” e a defesa da outra
“dotora” ficamos tão pequenos nesse mar de agressões que eu nem tenho mais pra
onde correr ou como me esconder.
Quem bate no
“dotô” fala que apanha e fala em meu nome sem me perguntar se eu quero defesa,
sem ver que é tão ignorante como o dotô que riu da minha “pleumonia”.
Quem bate na
“dotora” fala que apanha e que o mundo anda muito chato, ignorando os sintomas
de racismo galopante que estão acabando com eles mesmos, contaminando seus
filhos e quem mais estiver passando próximo...
Sei não, viu!
Eu tô esperando o resultado dos meus exames e tô com medo. Medo desse mundo
todo que bate sem perguntar, que opina nem se questionar, que acha que agredir
é se posicionar, que acha que tem crachá de moralidade e que isso o isenta em
qualquer atitude, já que eles podem e não só podem como devem defender o que
acreditam... Mas nem sabem no que acreditam, ou mesmo se acreditam....
Só sei que
está todo mundo doente, tá todo mundo com uma tosse na garganta que incomoda e
que se não vigiada sai na forma de escarro na cara de quem tá passando do seu lado. Tá
todo mundo com uma febre que queima o peito e tira o sentimento de humanidade,
que agride, humilha o outro e não se importa com o ser humano que tem que
continuar vivendo apesar do erro que fez ou da opinião que eu não concordo. Tá
todo mundo cansado, de peito cheio, testa quente, todos com suas “pleumonias”.
Mas ninguém tem coragem de abrir seu envelope e conferir o próprio “raôxis,
porque ninguém quer ver onde tá errado, onde tá o sintoma, onde tem que
melhorar. Só querem cuspir, tossir, se inflamar. Ninguém quer se ouvir. Tá todo
mundo doente, mas ninguém quer se curar.
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