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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Febre

Febre

Me diagnosticaram, é “pleumonia”! Aguda! Grave mesmo, me corroendo por dentro... Pediram “raoxis” e tudo... 
Mas quando estava no consultório, vi que o “Dotô” também não estava bem. Ele tava com os olhos casados, me olhava com pesar, não por mim, mas pela vida dele mesmo... Ele não tava com muita paciência... Eu com minha “Pleumonia” e ele com intolerância.
Depois que saí de lá, me vi estampado em jornais, em páginas, em fotos, com pessoas que não me conhecem e nem conhecem o “dotô”. Eu vi que xingavam o “dotô”, xingavam muito, xingavam feio! Vi que eles também estavam todos doentes, eu com minha pleumonia, o dotô com intolerância e meus defensores com a ignorância deles.
Eu vi que tinha uma moça que me defendeu de um jeito educado. Sem me chamar de burro e nem chamar o “dotô” de desgraçado, sem ameaça, mas de um jeito leve. Mas vieram os defensores do “dotô”. Disseram que ela era macaca que fingia de branca por pintar o cabelo de loiro e que oprimia os pacientes por usar “estetoscrópio” vermelho. Eu vi nos olhos deles que eles estavam doentes. Tinham os mesmos sintomas do dotô e dos meus defensores. Nossa senhora! Isso passa rápido hein? Tenho que me vacinar!
Doentes que se atracam, se batem, se machucam. Eles não querem se ouvir, só querem falar, gritar, agredir, se impor, calar... Acho que o caso é grave... agudo... não tem “raoxis” que resolva.
No fim das contas, minha “pleumonia” é o mais leve nisso tudo. Eu só sinto uma febre que acaba com novalgina e a tosse passa com chá, mas essa ignorância e essa intolerância não passam.
Elas corroem a gente por dentro onde nenhum “raoxis” consegue ver. Não gera tosse, nem febre que termômetro consiga perceber. Mas queima, por dentro, por fora, por todo lado. Ela expulsa pra fora da gente o lixo que a gente carrega dentro. Ela faz gente virar bicho. Faz eu deixar de ver o outro como alguém além do ponto de divergência entre a gente. Eu enxergo o que discordo e pronto.
É grave essa doença porque não tem remédio nenhum que dê jeito na gente, nada que se possa tomar de fora pra acalmar esse fogo que queima por dentro... O remédio é de dentro também, mas ninguém quer tomar, por que ninguém quer ceder, tem que ganhar... ganhar o quê eu não sei, por que no fim das contas sai todo mundo perdendo. Perde amigo, perde emprego, perde espaço e depois pede pra fazer retratação, pra remendar o que disse, pra dizer que não era bem assim, que falou sem pensar, que colocaram mais peso, que era só uma piada, que não linchou ninguém, que é só internet, que tem direito de se expressar, que o mundo tá muito chato, que tem muito mimimi....
No fim das contas, eu, a minha “pleumonia”, a intolerância do “dotô” e a defesa da outra “dotora” ficamos tão pequenos nesse mar de agressões que eu nem tenho mais pra onde correr ou como me esconder.
Quem bate no “dotô” fala que apanha e fala em meu nome sem me perguntar se eu quero defesa, sem ver que é tão ignorante como o dotô que riu da minha “pleumonia”.
Quem bate na “dotora” fala que apanha e que o mundo anda muito chato, ignorando os sintomas de racismo galopante que estão acabando com eles mesmos, contaminando seus filhos e quem mais estiver passando próximo...
Sei não, viu! Eu tô esperando o resultado dos meus exames e tô com medo. Medo desse mundo todo que bate sem perguntar, que opina nem se questionar, que acha que agredir é se posicionar, que acha que tem crachá de moralidade e que isso o isenta em qualquer atitude, já que eles podem e não só podem como devem defender o que acreditam... Mas nem sabem no que acreditam, ou mesmo se acreditam....

Só sei que está todo mundo doente, tá todo mundo com uma tosse na garganta que incomoda e que se não vigiada sai na forma de escarro na cara de quem tá passando do seu lado. Tá todo mundo com uma febre que queima o peito e tira o sentimento de humanidade, que agride, humilha o outro e não se importa com o ser humano que tem que continuar vivendo apesar do erro que fez ou da opinião que eu não concordo. Tá todo mundo cansado, de peito cheio, testa quente, todos com suas “pleumonias”. Mas ninguém tem coragem de abrir seu envelope e conferir o próprio “raôxis, porque ninguém quer ver onde tá errado, onde tá o sintoma, onde tem que melhorar. Só querem cuspir, tossir, se inflamar. Ninguém quer se ouvir. Tá todo mundo doente, mas ninguém quer se curar.

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