“Quando ascendes a
teu Céu, eu desço ao meu Inferno - mesmo então chamas-me através do abismo
intransponível, "Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada", e eu te
respondo: "Meu Amigo, Meu Companheiro, Meu Camarada" - porque não
gostaria que visses meu Inferno. A chama queimaria teus olhos, e a fumaça
encheria tuas narinas. E amo demais meu Inferno para querer que o visites.
Prefiro ficar sozinho no Inferno.
Amas a Verdade, e a
Beleza, e a Retidão. E eu, por tua causa, digo que é bom e decente amar essas
coisas. Mas, no meu coração rio-me de teu amor. Mas não gostaria que visses meu
riso. Gostaria de rir sozinho.
Meu Amigo, tu és bom
e cauteloso e sábio. Tu és perfeito - e eu também, falo contigo sábia e
cautelosamente. E, entretanto, sou louco. Porém
mascaro minha loucura. Prefiro ser louco sozinho: Meu Amigo, tu não és meu Amigo, mas como te farei compreender?
mascaro minha loucura. Prefiro ser louco sozinho: Meu Amigo, tu não és meu Amigo, mas como te farei compreender?
Meu caminho não é o
teu caminho.
Contudo juntos
marchamos, de mãos dadas.”
Khalil Gibran
-
Ei! Como você tá?
- Tô
bem e com você?
- ...
Eu? Eu,
não.
Eu tô
cansada.
Perdida.
Confusa.
Sozinha.
Não
tô bem.
Não
sei quem estaria.
Não
entendo como você também pode estar.
Eu
vejo seu rosto com esse sorriso polido, seu abraço frouxo que alisa minhas
costas, seu perfume adequado que me abraça as narinas, seu peso correto que me
afronta as dimensões que eu não aceito...
Não
tô nada bem e como você pode estar?
Eu
vejo o mundo em minha volta e não me encontro.
Não
me querem aqui e nem em lugar nenhum. Não sentem minha falta e acho que nunca
sentiriam... Nem mesmo se... Não! Nem nisso posso pensar, pois meu pensar é
pecado, meu cogitar é profano, é tabu, é pra ser escondido nesse entulho que
fiz da minha vida, naquele baú onde amontoei as minhas dores e que não posso
abrir, pois quem vai me ajudar a arrumar?
Sou
mãe e não queria ter sido – não diz isso é pecado!
Sou
pai e não queria ter sido – não diz isso é pecado!
Sou
mulher e não conheço meu corpo, tenho curiosidades, desejos e não posso
confessar – fecha a perna, senta como moça!
Sou
homem e escondo o choro e a dor que não posso confessar - vira homem, rapaz!
Sou
filha e não gosto dos pais que tenho – deixa de ser ingrata menina!
Sou
filho e não gosto dos irmãos que tenho – deixa de ser ingrato menino!
Sou
pessoa que pesa mais que o que dizem ser devido e não consigo me conformar à
forma que querem me ver – deixa de ser preguiçoso!
Sou
pessoa e peso menos do que devia e não consigo ter as curvas com que querem me
pegar – para de reclamar atoa!
Ditam-me
e dizem-me o que fazer o que não fazer, mas não me ouvem.
Choro
sozinho.
Sofro
sozinho.
Nunca
me ouvem.
Quando
ouvem já têm discursos, receitas, propostas, mas não têm ouvidos.
Querem
me convencer, me converter, me salvar, mas não têm ouvidos.
Eu não
estou bem, não tô nada bem.
Eu
me vejo nas manchetes das páginas policiais.
Eu
me vejo na dor dos que pedem na rua.
Eu
me vejo nos filmes tristes e comerciais de fim de ano.
Eu
me vejo nos cachorros que vagam sem dono, sem ração, sem colo, sem nada.
Eu
sou pior que eles, pois minha dor não tem justificativa, pois eu tenho tudo,
não é?
Eu
reclamo de barriga cheia, não é?
Eu
sou abençoado, não é?
Não
é? NÃO É?
NÃO!
NÃO
É!
Eu
não tô bem, não to nada bem!
Mas
não se preocupe.
Não
vou atrapalhar seu dia.
Vou
seguir o protocolo que a boa educação determina.
Você
vai terminar seu abraço polido e eu já terei armado o meu melhor e mais falso
sorriso.
A
maquiagem esconde as minhas olheiras e você não saberá de meu choro insone
dessa madrugada que, para mim, foi eterna e aterrorizante. Eu vou acenar
levemente a cabeça e dizer o que quer ouvir.
-
Tudo bem, também!
Pronto,
você está livre. Pode ir. Pode se sentar na sua mesa, pode seguir com a sua
vida, pode me falar de suas amenidades, suas piadas, pode desligar o telefone,
pode sair do whastapp, pode ir.
Eu?
Eu vou ficar aqui mesmo. Não tenho para onde ir. Não posso fugir de mim. Não tenho
liberdade e nem lugar seguro.
Eu
vou me consumir nesse inferno eterno que é viver comigo e nessa dor que você
não entende e que não quer entender, porque ela não te pertence.
Vai
que tá tudo bem!
Tá tudo ótimo!
Bom dia para você também!
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